Domingo deveria ter sido um dia de festa: um clube brasileiro pela primeira vez se tornava tricampeão nacional de forma consecutiva.
Mas o que deveria ser amplamente comemorado como o sucesso de uma nova fórmula de campeonato no Brasil acabou se transformando na repetição de algo que o país se acostumou a assistir desde há muito, algo que rememora os anos de chumbo da ditadura: o assassinato de um torcedor já rendido por um policial que, ao tentar abusar do poder pela sociedade nele investido com uma coronhada absolutamente desnecessária, atirou contra a cabeça da vítima.
O caso, como tantos outros, foi notícia por todos o país. Serviu, como sempre, pra chocar de uma forma paralisante. Quatro dias depois, Nilton César de Jesus, 26 anos, o torcedor baleado, faleceu no hospital no Distrito Federal, enquanto , o policial autor do disparo, recebeu o bônus do habeas corpus ao ser enquadrado por "lesão corporal grave".
Qualquer um que viu o vídeo do tiro pode perceber que a imprudência do policial claramente qualificaria seu ato como "homicídio culposo", ata sem a intenção de matar, mas que acabou matando. Mas a força política da corporação policial é grande, e o assassino está - e muito provavelmente continuará por longo tempo - solto.
O caso, infelizmente, não é único. No mesmo dia, outro torcedor foi morto a tiros na zona leste de São Paulo durante as comemorações do título. E tantos outros já morreram em tantos jogos pela história de nosso futebol.
A violência, entretanto, não é exclusiva do esporte, está em todo lado. Violência que começa quando a relação social mais comum entre duas pessoas é a de comando, de hierarquia, de força, algo que se transforma em risco de morte quando entram em ação armas de fogo.
No futebol, onde a aglomeração de pessoas por partida é enorme, tal violência se instaura com ainda mais facilidade quando se assiste uma militarização crescente de tudo que envolve o jogo: torcida impedida de levar faixas, preços de alimentos absurdos, ingressos falsos a torto e a direito, polícia que humilha e trata o torcedor enquanto bandido. E que entra em campo e leva jogador preso, como se viu no Recife por mais de uma vez em 2008, e que atira em torcedor desarmado e já rendido, como Nilton. Isso sem falar que o comandante da arbitragem paulista é um coronel da polícia.
Na Itália, a morte do torcedor da Lazio Gabrielle Sandri, em episódio bastante parecido com este de Brasília, causou revolta nos torcedores de todas as equipes do calcio, inclusive da rival Roma. Jogos foram paralisados e adiados ante a ameaça de invasão por parte das torcidas, em ação de protesto pelo assassinato sem sentido. O caso levou tanto o poder público quanto a federação de futebol de lá a ao menos parar para repensar as relações de força.
Aqui, no país pentacampeão do mundo, já tivemos, enquanto torcedores, inúmeras possibilidades de agir da mesma forma, e as desperdiçamos. Pensando nisso é que o Autônomos FC, equipe amadora de futebol de várzea, convoca os torcedores de todas as equipes a comparecerem com suas respectivas camisas a um ato em repúdio à violência policial e à militarização do futebol, domingo, 14/12, com concentração saindo da frente do cemitério das Clínicas e partindo para a Praça Charles Miller, onde acontecerá uma partida de futebol espontânea e livre em protesto à tentativa de controle de nossos corpos e mentes nos estádios do país e em memória de Nilton e de todos os torcedores mortos de maneira estúpida pela corporação policial.
Em nome de todos os torcedores que querem um futebol mais democrático.
postado por Zau, mais um jogador do Autônomos, em busca de um pingo de democracia, real e intransigente.
Um comentário:
Belo texto e parabéns pela iniciativa
Postar um comentário